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Conflito entre seguranças da Vale e agricultores termina com 21 feridos no sudeste do Pará

Publicado em 24/06/2020 Editoria: Polícia


Moradores descrevem truculência, e empresa afirma que funcionários revidaram disparo de arma de fogo

Moradores descrevem truculência, e empresa afirma que funcionários revidaram disparo de arma de fogo

Seguranças da empresa Vale estão sendo acusados pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Estado do Pará (Fetraf-PA) de terem atacado, com balas de borracha, spray de pimenta e bombas de efeito moral, um acampamento de reforma agrária da Fazenda Lagoa, em Parauapebas, sudeste do Pará, no início da noite do último domingo (21).
 
No município paraense está sediada a mina de Carajás, a maior do país.
 
Em nota enviada à Folha, a empresa afirma que os seguranças foram acionados para evitar a ligação clandestina de energia em áreas de propriedade da empresa onde fica a ocupação e que reagiram a um disparo de arma de fogo que teria partido dos acampados, agindo em legítima defesa.
 
A Fetraf nega que os acampados estivessem armados e tenham disparado contra os seguranças.
 
Durante o conflito, 21 pessoas ficaram feridas, entre homens, mulheres, idosos e crianças. Pelo menos 12 delas precisaram ser removidas a uma unidade de saúde, contou a coordenadora geral da Fetraf-PA, Viviane Oliveira, que registrou boletim de ocorrência contra a empresa.
 
“Foi uma correria, muita gente foi atingida, uns com bala de borracha, outros apanharam de cassetete ou se machucaram ao tentar fugir pela mata”, lembrou Oliveira.
 
Para ela, os seguranças usaram força desproporcional ao tentar impedir que os agricultores realizassem a instalação de rede elétrica no acampamento, que fica em um terreno que pertence à Vale, mas é disputado na Justiça com os ocupantes há mais de três anos.
 
“Por volta de 16h30, um funcionário da empresa foi lá e conversamos com ele, que saiu dizendo que ia dar retorno. E deu, junto com outros 70 seguranças, que interromperam nossa assembleia no momento em que íamos fazer a ligação da energia, com tiros, bombas e spray de pimenta em cima de todo mundo: adulto, criança, idoso, ninguém escapou”, contou.
 
O Ministério Público Federal no Pará (MPF-PA) informou que abriu um procedimento para acompanhar as investigações sobre o caso.
 
Atualmente, sete comunidades estão situadas dentro do terreno que está em disputa com a Vale, quatro delas próximas de áreas potenciais para a exploração mineral. A empresa busca a retirada das famílias em negociações com os ocupantes que já duram mais de três anos.
 
Segundo o secretário de Política Sindical da Fetraf, Francisco Ferreira, em 2018 foi firmado um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Vale, que estabelecia as condições para a retirada das famílias, com o deslocamento dos moradores para um assentamento do Incra, medida que ainda não foi cumprida, lembra ele.
 
Ferreira contou ainda que, no dia 9 de junho, durante uma videoconferência entre o comitê de negociação da Fetraf e representantes da Vale, ficou definido que as medidas para retirada das famílias teriam início após o fim da pandemia.
 
“Eles propuseram ceder um outro terreno de oito hectares para o Incra reassentar as famílias de quatro dessas sete comunidades. Até domingo era uma negociação pacífica”, diz.
 
A comunidade Conquista 2, no entanto, não é das que seriam remanejadas, afirma Ferreira. Com 252 hectares, o terreno é ocupado por 288 famílias de agricultores, que começaram a chegar ali há quase cinco anos.
 
“Essas famílias estão há mais de quatro anos produzindo de forma artesanal porque não têm acesso ao básico, que é energia elétrica", diz Viviane Oliveira. "Como uma área a ser consolidada, a gente vem negociando há muito tempo a instalação da rede elétrica, ao menos de forma temporária, enquanto o processo não chega a uma decisão definitiva, mas a empresa sempre negava."
 
Sem uma definição sobre a permanência da área e com a chegada da pandemia, o processo ficou paralisado, assim como os planos de ter energia elétrica e, consequentemente, água à vontade para as plantações, que, naquela região são, em sua maioria, de hortaliças.
 
“Então decidimos fazer por conta própria, porque, se essas famílias vão ficar ali, precisam ter dignidade para trabalhar e viver, e energia e água são o básico para isso. E, quando estávamos trabalhando, aconteceu tudo isso”, declarou a coordenadora da Fetraf.
 
Outro lado
Na nota enviada à reportagem, a Vale afirma que a equipe de segurança “foi recebida a tiros de arma de fogo por um grupo de aproximadamente 40 pessoas que ocupam irregularmente área de propriedade da empresa denominada Fazenda Lagoa”. A empresa informa ter registrado boletim de ocorrência nesta segunda (22).
 
Segundo a Vale, a equipe de segurança foi acionada para paralisar a instalação de postes para ligação clandestina de energia elétrica. Ainda de acordo com a nota enviada à imprensa, após “várias horas de diálogo”, os seguranças iniciaram a “ação de desforço imediato utilizando os meios necessários não letais e em legítima defesa”.
 
A empresa disse ainda que “vem mantendo diálogo” com a comunidade que, segundo a empresa, ocupa área de sua propriedade desde 2015, com processo de reintegração de posse com decisão judicial favorável à Vale, determinando a retirada dos ocupantes.
 


› FONTE: Folha