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“O erro foi confiar no meu pai”, diz filha de traficante sequestrada e torturada

Publicado em 31/10/2025 Editoria: Capital



Vítima rompe silêncio, descreve horas de terror e rebate acusações ligadas a Gerson Palermo

 

Torturada, ameaçada de mutilação e levada a um cativeiro após cair em uma emboscada. É assim que a filha do narcotraficante foragido Gerson Palermo resume o dia em que quase perdeu a vida. Uma semana depois do sequestro, ela decidiu contar sua versão e rebateu, em tom firme, as acusações que associam seu nome ao do pai.

Por meio da advogada Gabriela Menezes Mendes de Lima, a jovem enviou ao Campo Grande News um relato emocionado.

“Nos últimos dias, vivi uma das experiências mais traumáticas e dolorosas que alguém pode enfrentar”, disse. “Fui exposta a um sofrimento que jamais imaginei passar na vida e, desde então, venho tentando encontrar forças para lidar com o que aconteceu. O trauma é profundo e o impacto emocional, devastador. Ainda mais difícil tem sido ver minha dor exposta publicamente; nenhuma pessoa está preparada para reviver um pesadelo pelas páginas da imprensa.”

A vítima afirma que foi enganada por uma falsa promessa de ajuda financeira para custear o tratamento da avó, mulher que ela diz considerar como mãe.

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“Acreditei que receberia R$ 1.541 para ajudar minha avó, uma mulher que considero minha mãe, que me criou com amor e dedicou a vida inteira a mim. Ela sofreu dois AVCs (acidentes vasculares cerebrais), perdeu a visão e está acamada, totalmente dependente de cuidados diários. Apenas eu e meu avô cuidamos dela. Esse valor seria usado para custear despesas médicas. Ela e meu avô são tudo o que tenho, minha base, minha família, meus verdadeiros pais, as pessoas que me criaram e sempre estiveram ao meu lado.”

Durante o sequestro, segundo informações da Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubos a Banco, Assaltos e Sequestros), confirmadas pelo delegado Roberto Guimarães, ela foi levada para uma casa no bairro Moreninhas, onde ficou amarrada e foi agredida.

A jovem afirma não ter qualquer ligação com o pai e nega envolvimento com valores de origem criminosa. “Não tenho, nunca tive e jamais terei qualquer vínculo com dinheiro de origem duvidosa. Nunca existiu qualquer valor pertencente a outra parte em minha posse. Se eu tivesse qualquer quantia, jamais teria me colocado em risco para pedir ajuda. Meu único erro foi confiar, e isso quase me custou a vida”.


O advogado de Gerson Palermo, Amilton Ferreira, sustenta que a quantia mencionada seria de R$ 50 mil, resultado da venda de cabeças de gado, e minimiza o episódio. “É uma briga familiar”, disse. “Você já viu pai ou mãe mandar sequestrar filho?”, ironizou.

A vítima também rebateu a versão da defesa sobre a existência de um laudo psiquiátrico em seu nome. “Que ele prove, então, pois esse documento não existe e jamais existiu. Essa tentativa de descredibilizar uma vítima é cruel, injusta e profundamente desumana. Eu não tenho motivo algum para mentir sobre algo tão grave. Cada palavra dita por mim está amparada por provas e pela verdade dos fatos”.

Em tom de cansaço e esperança, a jovem descreve o que mais deseja agora: “Quero apenas segurança para mim e para minha família, poder dormir sem medo, abrir a porta de casa sem desconfiança e, aos poucos, reconstruir o que foi destruído dentro da gente.”

Ela reforça que confia nas instituições: “Confio na Justiça e acredito que serei ouvida. Preciso de ajuda do Judiciário para garantir minha segurança e a da minha família, para que possamos viver sem ameaças, com o mínimo de tranquilidade que qualquer ser humano merece.”

O relato termina com um apelo de fé e reconstrução. “Tudo o que desejo agora é cuidar de quem sempre cuidou de mim e, acima de tudo, cuidar de mim mesma. Tento, dia após dia, juntar os pedaços do que ficou depois de tanto medo, de tanta dor e de um trauma que não se apaga com o tempo. Quero devolver um pouco de calma ao coração dos meus avós, que são minha razão de existir, e reencontrar a mim mesma nesse processo.”

E finaliza: “Quero apenas poder respirar sem medo, olhar para o futuro sem carregar o peso do que vivi e sentir que posso, enfim, recomeçar. Sigo amparada pela minha fé, fortalecida pela verdade e confiante no amparo da Justiça, com a esperança profunda de que eu e minha família possamos encontrar o que mais precisamos hoje: dignidade, segurança e paz.”

Casa onde vítima foi mantida em cativeiro. (Foto: Marcos Maluf)
Cativeiro e prisão – Com base no depoimento da vítima, os investigadores chegaram ao cativeiro, uma casa simples e sem móveis, também localizada nas Moreninhas. O imóvel tinha a conta de energia em nome de Reinaldo Silva de Farias, de 34 anos, com histórico criminal, que foi preso em flagrante.

Durante a busca, duas espingardas e um estojo de arma de fogo, semelhantes aos descritos pela vítima, foram apreendidos. O preso confessou participação indireta, dizendo que apenas intermediou o contato entre os sequestradores. Ele passou por audiência de custódia nesta segunda-feira e teve a prisão convertida em preventiva.

A perícia confirmou que a casa era o local onde a vítima permaneceu em cativeiro. No imóvel, foram encontrados uma motosserra, uma roçadeira e o mesmo tipo de piso visto nas fotos enviadas à família. O telefone usado para pedir o resgate também pertencia ao suspeito preso. Durante as diligências, os policiais ligaram para o número, e o celular tocou dentro da casa.

De acordo com as investigações, Gerson Palermo, condenado a 126 anos de prisão e foragido há cinco anos, teria orquestrado o crime à distância. Ele chegou a ligar para o avô materno da jovem, afirmando que nada aconteceria à filha “se devolvessem o dinheiro”. Em outro momento, ameaçou dizendo que “todos iriam morrer por causa desse dinheiro”.

O delegado ressaltou que, até o momento, não há provas concretas do envolvimento direto de Gerson ou da mãe da vítima, mas ambos são alvos de investigação.

“Trabalhamos com várias linhas de investigação. Há indícios de extorsão mediante sequestro, e o relato da vítima é compatível com o que foi encontrado no local. Não há qualquer indício de armação”, reforçou Guimarães.



› FONTE: Campo Grande News