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Difusora AM 1340 renasce em Aquidauana como Avenida FM 91,7

Publicado em 01/11/2019 Editoria: Cidade


Quem ouvir favor avisar: após quase 7 décadas, a rádio pioneira do Pantanal desliga os transmissores AM e migra para FM
 
Meu limão, meu limoeiro, Meu pé de jacarandá. Uma vez tin-do-lelê, Outra vez tin-do-lalá... Isolado no interior do Pantanal, o peão vasculhava o painel do velho aparelho em busca de alguma canção para embalar seu dia que já ia alto, quando a música de Wilson Simonal invade o rádio com som limpo e forte.
 
Ali mesmo estacionou o dial: prefixo ZYX-20 e frequência 1440 KHZ. Sem saber, o pantaneiro testemunhava o nascimento da Rádio Difusora de Aquidauana, na manhã do dia 16 de março de 1.952 (anos depois a emissora consegue autorização para transmitir seu sinal em Ondas Médias na frequência 1340 KHz e também em Ondas Tropicais na frequência 4.795KHz).
 
Desta forma a Difusora passaria a ditar as regras da vida pantaneira pelas décadas seguintes e levaria o nome da cidade e do Estado a todo país e além das fronteiras.
 
Próximo de completar 70 anos, a Rádio Difusora de Aquidauana está pronta para uma transformação radical que deve devolver-lhe a posição de liderança na radiodifusão de toda região pantaneira.
 
Desliga a transmissão em AM (amplitude modulada), prejudicada pelas interferências que sabotam seu sinal, e passa a operar em Frequência Modulada, a FM, com potência para ser ouvida claramente em Campo Grande e todo meio Oeste do Estado. Programação atual, equipamentos de ponta e modernas instalações: um estúdio em vidro transparente instalado no coração cultural da cidade de Aquidauana, a Avenida Pantaneta.
 
 
Objeto de muitas pesquisas por seu valor histórico e cultural, a Difusora resiste amparada por sua história gloriosa e se prepara para novos desafios. Tudo sem perder as raízes nem negligenciar um passado que a incorpora a tantas vidas, tantos fatos importantes. ”Quem ouvir favor avisar” é um jargão ainda conhecido em todo Pantanal. Inspirou a peça de teatro do professor Paulo Correa de Oliveira. A frase finalizava os recados do programa Mensagem Social da Difusora, que de tão ouvido precisou mudar de horário para não atrapalhar as lides pantaneiras.
 
Função social
 
“O programa começava às 14 horas com a trilha Barril de Chope, isso fazia com que os peões não saíssem para o campo antes de ouvir todos os recados. Foi então que os fazendeiros vieram procurar meu pai e pedir pra mudar o horário, que passou a começar ao meio dia”, conta Eliane de Oliveira Vargas, filha do fundador Elídio Teles de Oliveira.
 
Mensagem Social era um serviço de recados populares de enorme serventia para o isolado povo pantaneiro, numa época em que o telefone fixo era raro e a telefonia celular nem sequer era imaginada. A rádio era o meio rápido e prático de se chegar aos confins do Estado e isso se fazia enviando mensagens como essas relatadas pelo ex-locutor Sady Soares, hoje aposentado.
 
“Alô fazenda tal, fulano manda dizer que chegou bem de viagem.  Logo estará em casa. Quem ouvir favor avisar”. Outras vezes o recado era acompanhado de um pedido. “Favor deixar o cavalo encilhado na porteira da fazenda” porque o viajante descia ali da condução e precisava ainda vencer algumas léguas até chegar de volta à casa. Havia ainda boas notícias: “fulano informa que nasceu seu filho” ou “fulano e fulana avisam que vão se casar dia tal”. Outras notícias não eram boas, mas o locutor achava um jeito de melhorar o clima: “fulano avisa que sua mãe faleceu, no mais está tudo bem”.
 
Carlos Medeiros, que trabalhou na rádio a partir de 1981, sabia da extrema importância do programa na zona rural e inovou com uma artimanha muito útil: ele repetia os anúncios para facilitar a vida dos ouvintes descuidados, ou ainda fazia uma chamada introdutória: “atenção fazenda tal, daqui a pouco aviso para vocês”. Bastava para acender a curiosidade e garantir com eficiência a comunicação.
 
Os avisos que mais gostava de fazer eram os de nascimento. “A maternidade enviava para nós os textos. Atenção fulano de tal, o hospital avisa que seu filho nasceu, é um robusto menino. Mãe e criança passam bem. Eu gostava de fazer esse tipo de aviso porque sabia da alegria que causava, as pessoas estavam lá esperando”. E assim a rádio manteve por mais de 50 anos o programa Mensagem Social, até que outros meios de comunicação (o celular, por exemplo) ocuparam sua função.
 
História
 
A Rádio Difusora de Aquidauana surge apenas três décadas depois da chegada da novidade ao Brasil. A rádio já era, então, sinônimo de modernidade e veio para revolucionar as comunicações, levando informação e entretenimento com as novelas, os programas de música ao vivo, as transmissões de jogos. A Difusora de Aquidauana deve sua fundação ao baiano de Barra Elídio Teles de Oliveira, que chegou na cidade no ano de 1940, com idade de 31 anos, para se aventurar no garimpo, conforme relata sua filha.
 
 
Frustrada a busca pelas riquezas da terra, Elídio se associa a Francisco Vasconcelos e fundam o jornal O Correio do Sul e em 1944 e, em seguida, um serviço de alto-falantes que funcionavam sobre o Rádio Bar, localizado na esquina das ruas Estêvão Alves de Corrêa e Manoel Antônio Paes de Barros.
 
Esses alto-falantes foram o embrião da Rádio na cidade. Divulgavam anúncios comerciais, recados para os namorados, notícias e músicas.
 
Naturalmente, tinham o poder de ajuntar pessoas nos fins de semana, que acorriam pra lá para ouvir música e namorar.  Os primeiros locutores desse precursor da rádio foram Sinai Trindade e Claudio Robba, conforme relata a historiadora Jussara Maria Rodrigues Medeiro em seu trabalho de conclusão de curso da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
 
O jornal faliu logo. Era impresso em Campo Grande e enviado a Aquidauana pelo trem. Os altos custos inviabilizaram o negócio. A vontade de empreender, no entanto, não desaparece e Elídio obtém a licença para instalar uma rádio em 11 de janeiro de 1950. Daí até a inauguração decorrem quase dois anos por um motivo simples: Elídio não tinha dinheiro suficiente para implantar a rádio. Foi então que surgiu o mantenedor Fernando Mármora, que lhe emprestou a quantia necessária: 100 contos de réis, sem avalista, com um ano de carência para início do pagamento em 10 parcelas e com juros de 1% ao mês. Negócio de pai. Esses fatos estão relatados na monografia de Jussara Medeiros.
 
A rádio começou a transmitir às 9 horas dia 16 de março de 1.952 com a música Meu Limão, Meu Limoeiro, de Wilson Simonal, em programa comandado pelo locutor Hélio de Souza e Silva e com a sonoplastia de Vitor Hugo Correia Leite. Foi a primeira emissora de ondas curtas estabelecida no que hoje é Mato Grosso do Sul, e depois com ondas tropicais que tinham potência para alcançar toda metade Norte do planeta. Cartas preservadas pela filha ainda hoje, de ouvintes da Suécia, da Alemanha, atestam isso. “Mandavam cartão do país dizendo que tinham ouvido a rádio em tal hora de tal dia”.
 
Glória
 
A rádio iniciava as transmissões às 5h da manhã e se estendia até a meia-noite. O carro-chefe da programação sempre foi o programa Mensagem Social, com as propagandas mais caras. Manteve-se no ar por 55 anos. Havia, entretanto, outras opções ao longo da programação, como o Entardecer no Sertão, com músicas sertanejas que ficou no ar por anos a fio e de muita audiência. A rádio promovia a Roda de Viola, um encontro de violeiros regionais; festivais de música e recebia em seus estúdios todos os artistas famosos da época.
 
Políticos de todo o Estado (na época o Mato Grosso era uno) disputavam espaço no microfone da Difusora e esse prestígio chegou até Brasília. Carlos Medeiros lembra que a rádio promoveu um debate entre professores de Aquidauana com o então ministro da Educação do governo Fernando Henrique Cardoso, Paulo Renato, para detalhar o Fundef (Fundo de Desenvolvimento da Educação Fundamental). “Transmitimos ao vivo”.
 
A rádio acompanhava o Operário Futebol Clube em transmissões de jogos por todo o Brasil. Em 1977 o Galo ficou em terceiro lugar no Campeonato Brasileiro, perdendo para o São Paulo pelo saldo de gols. Também fazia cobertura de Carnaval em várias cidades. “Nos anos 70, a Rádio Difusora era como o Jornal Nacional de hoje”, compara o radialista Ferreira da Silva, que até há pouco tempo trabalhava na Difusora. De suas lembranças douradas, lembra que entrevistou o músico nordestino Luiz Gonzaga. “Ele estava hospedado no Hotel Campo Grande, liguei lá e consegui colocar ele ao vivo na rádio”.
 
Ocaso
 
Em artigo publicado na Revista Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação) em junho de 2018, os jornalistas Helder Lima e Daniela Ota (mestre e doutora em Comunicação, respectivamente), contam a história da Difusora desde seu nascer até os motivos da queda de audiência, passando pelo período de glória e fama. “Conhecida como ‘berço da radiofonia no Estado’, a Difusora de Aquidauana revelou nomes como Mário Mendonça, Wilson Batista, Fábio Rodrigues, Délio e Delinha (foto), Osmar Ravaglia, Vanderlei Dornelles, Áureo da Silva, Décio Ferreira, entre outros”, escrevem.
 
O mesmo trabalho revela os bastidores de um momento doloroso. “Na véspera de comemorar 50 anos de fundação, a emissora chorou a morte do pioneiro Elídio Teles de Oliveira, ocorrida em 2002. A programação comemorativa preparada à época para celebrar o aniversário da rádio foi suspensa pelos organizadores e a Prefeitura de Aquidauana decretou lutou oficial de três dias pelo acontecimento”.
 
A audiência das AMs já vinha sendo minada por interferências diversas, prejudicando todo plano de negócios das emissoras. Além disso, a Difusora, particularmente, sofreu um baque após a morte do fundador Elídio Teles. Helder e Ota afirmam: “(...) a emissora passou por dificuldades financeiras que fez com que a direção buscasse alternativas para não encerrar suas atividades. (...) a Difusora foi arrendada durante anos por entidades religiosas e grupos políticos do município de Aquidauana.  Em 2013, com a possibilidade de migrar para a faixa de FM, a direção identificou que não havia como arcar com os custos do processo migratório...”
 
Em 2014 os empresários Suely e Odilson Nogueira, Yonne e Roberto Orro adquirem o controle acionário da rádio e dão início ao processo de migração para a faixa de frequência modulada. A antiga difusora AM 1340 KHz desliga os transmissores na tarde do dia 3 de novembro de 2019. Instante seguinte renasce com outro nome na estação 91.7 da faixa FM.
 


› FONTE: João Prestes - Assessoria