Manifesto aponta preconceito contra evangélicos no governo
Publicado em 07/02/2020
Editoria: Brasil
Evangélicos que ocupam posições de destaque no governo sofrem preconceito?
O assunto vem sendo debatido com intensidade crescente desde o início do mandato de Jair Bolsonaro.
Na verdade, desde antes, quando a pastora Damares Alves, ainda nem empossada como ministra dos Direitos Humanos, foi ridicularizada por dizer que viu Jesus numa goiabeira.
No final de janeiro, outra notícia jogou lenha nesse debate incandescente, com a revelação pela Folha de que o novo presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Benedito Guimarães Aguiar Neto, defende a abordagem educacional do criacionismo em contraponto à teoria da evolução.
Ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Aguiar Neto é adepto do chamado design inteligente, uma espécie de criacionismo gourmetizado.
Como agora ele é responsável por um órgão que cuida dos cursos de pós-graduação, choveram críticas de que o ensino no Brasil poderia ser ameaçado em razão de sua crença pessoal.
Nos últimos dias, a discussão seguiu. Na terça-feira (4), em artigo no jornal O Estado de S. Paulo, o economista Pedro Fernando Nery apontou a existência de uma certa “crentefobia” no país, citando os episódios de Damares e do novo chefe da Capes, entre outros.
No mesmo dia, um artigo no site The Intercept Brasil usou o gancho da nomeação de Aguiar Neto para denunciar que esse fato “marca a presença cada vez maior e influente no núcleo do governo de um grupo evangélico tão reacionário quanto discreto: os calvinistas”.
A tese é de que os calvinistas, um dos chamados ramos históricos do protestantismo, são menos histriônicos que os neopentecostais, mas não menos influentes. E até mais perigosos, por agirem em silêncio.
Citado na reportagem do Intercept, um grupo evangélico divulgou nessa quinta (6) um manifesto (clique aqui para ler a íntegra).
A Coalizão Pelo Evangelho, que reúne diversos líderes evangélicos pelo país, reclama de “ataques em determinadas mídias” e um “perceptível aumento das demonstrações de desprezo contra os cristãos nas redes sociais em nosso país”.
No final de 2019, esse grupo, ligado à organização americana The Gospel Coalition, notabilizou-se por ter iniciado a campanha contra o especial de Natal do Porta dos Fundos, que satirizava Jesus Cristo e apontava uma relação homossexual dele. Houve uma campanha online de cancelamento de assinaturas da Netflix, que veiculou o filme.
“Repudiamos o abandono do campo das ideias e o uso de ataque através da plantação de mentiras e do assassinato de reputações, bem como a difusão de difamações como meio de produzir conteúdo, vencer debates, ou atrair adeptos”, diz o manifesto, assinado por 17 líderes evangélicos de estados como São Paulo, Rio, Pernambuco, Ceará e Paraíba, entre outros.
O texto afirma que religião e Estado “são esferas distintas da sociedade”. Os signatários asseguram que não são adeptos de qualquer forma de teonomismo, ou seja do governo da sociedade pela lei cristã.
“A religião não deve ser imposta pelo Estado, e nem o Estado e a sociedade devem ser subjugados pela religião”.
Ao mesmo tempo, dizem os pastores, Estado laico não é sinônimo de Estado ateu. “Ninguém deve ter opiniões diminuídas ou exercício político limitado por conta de sua religião”, prega o manifesto.
“Defendemos o direito de cidadãos de viés filosófico e ideológico diverso de se reunirem com a finalidade de propagar aquilo no qual acreditam”, prossegue o texto.
A controvérsia é, em larga medida, esperada, dado que Bolsonaro elevou os evangélicos a parte fundamental de sua coalizão política.
Existem realmente sinais preocupantes de que ser crente virou o pré-requisito mais importante para ocupar determinados cargos públicos no atual governo.
Por outro lado, não é porque a pessoa é evangélica que necessariamente aplicará suas crenças no campo político.
A pessoa pode acreditar em Adão e Eva e ser um gestor técnico. Mesmo o criacionista no comando da Capes merece o benefício da dúvida.
› FONTE: Folha