Falta de informação sobre UTIs prejudica combate ao coronavírus
Publicado em 08/06/2020
Editoria: Saúde
Pesquisadores apontam falhas em dados divulgados pelo Ministério da Saúde e por governos locais
As informações oficiais sobre leitos disponíveis em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) para doentes com Covid-19 são insuficientes para planejar o enfrentamento da pandemia e dar segurança à população, afirma um grupo de pesquisadores de instituições acadêmicas públicas e privadas.
Ligado à Rede de Pesquisa Solidária, o grupo analisou informações divulgadas pelo Ministério da Saúde e pelos governos estaduais e encontrou diversas lacunas e inconsistências nos dados sobre leitos em UTIs, recurso essencial para o tratamento dos casos mais graves de infecção pelo novo coronavírus.
De acordo com o levantamento, somente cinco estados divulgam informações com o grau de detalhe necessário para orientar os gestores do sistema de saúde e a população. Os pesquisadores encontraram divergências até mesmo em dados publicados pela mesma fonte, no caso o Ministério da Saúde.
O painel organizado pela pasta com informações sobre leitos e insumos para o combate à pandemia indica mais de 34 mil leitos de UTI disponíveis para a Covid-19, mas o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), que é mantido pelo ministério, aponta 14 mil leitos. A diferença é de 242%.
São Paulo, estado com maior número de casos de infecção e mortes, divulga apenas a taxa de ocupação dos leitos reservados para a Covid-19, sem indicar sua distribuição entre hospitais públicos e particulares. A Prefeitura de São Paulo divulga informações detalhadas sobre os leitos disponíveis na capital.
O Rio de Janeiro não dava nenhuma informação sobre UTIs em maio, quando os pesquisadores concluíram o levantamento. Há poucos dias, o estado passou a divulgar o número de leitos ocupados por infectados pelo coronavírus, sem indicar quanto eles representam do total disponível nos hospitais nem sua localização.
"A maioria dos cidadãos, sem plano de saúde e sem acesso à rede privada, fica sem saber se poderá contar com atendimento nos hospitais públicos se ficar doente e seu caso se agravar", diz Tatiane Moraes de Souza, da Fundação Oswaldo Cruz, ligada ao Ministério da Saúde, uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo.
Na avaliação do grupo, a falta de informações confiáveis aumenta a insegurança da população na pandemia, contribuindo para enfraquecer a adesão às medidas de distanciamento social tomadas pelos governos estaduais para conter a transmissão do coronavírus e evitar o colapso da rede hospitalar.
A fragilidade dos dados também aumenta as incertezas em torno das iniciativas tomadas por alguns estados para relaxar as medidas preventivas, num momento em que os índices de propagação do coronavírus continuam elevados e o número de mortes não para de crescer, afirmam os pesquisadores.
Estados pobres apontaram dificuldades técnicas para justificar a falta de dados para os pesquisadores, mas o problema também foi encontrado em estados ricos, como São Paulo. "Em muitos casos, a falta de informação tem mais a ver com as escolhas feitas pelos governos, e não com problemas técnicos", afirma Moraes.
Segundo o CNES, que atualiza seus dados uma vez por mês, o país tinha 47 mil leitos de UTI disponíveis para pacientes adultos em maio, incluindo os 14 mil reservados para a Covid-19, mas sua distribuição é muito desigual. As maiores carências estão na rede pública e nas regiões mais pobres do país.
Governadores e prefeitos têm tomado medidas para aumentar a oferta de leitos, construindo hospitais de campanha ou contratando leitos de hospitais privados para o atendimento a doentes sem plano de saúde particular, mas a falta de informações seguras prejudica os esforços, dizem os pesquisadores.
"Sem dados confiáveis sobre a oferta de leitos, fica mais difícil explorar sinergias entre a rede pública e a rede privada, onde há maior disponibilidade de leitos em muitos estados", diz Moraes. Em muitos lugares, existem leitos nas UTIs, mas faltam equipamentos, ou profissionais qualificados para operá-los.
A Rede de Pesquisa Solidária começou a trabalhar em abril e tem produzido boletins semanais com os resultados de seus estudos. Pesquisadores da Universidade de São Paulo e instituições como o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) participam da iniciativa. Os boletins estão disponíveis no site da rede.
› FONTE: Folha