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Após 3 anos, pandemia não acabou, principalmente para quem é imunossuprimido

Publicado em 03/01/2023 Editoria: Saúde


Medo de contrair a doença e morrer fez com que pessoas com baixa imunidade se isolassem com covid circulando 
 
 
Imunossuprimidos. A palavra que parece um palavrão é aplicada a pessoas que possuem enfraquecimento do sistema imunológico e por isso possuem direitos adquiridos no atendimento do SUS (Sistema Único de Saúde), como a prioridade na fila de vacinação. Entre outras palavras, foram sobreviventes desta pandemia que durou três anos e ainda ronda o mundo ameaçando retornar com uma nova variante resistente às atuais imunizações disponíveis no mercado.
 
 
Dentre as possibilidades de as pessoas terem uma baixa imunidade estão casos adquiridos, como as doenças sexualmente transmitidas e o grupo de pessoas que fazem tratamento médico, como pessoas com câncer, transplantados, portadoras de lúpus, artrite reumatoide, psoríase, entre outras.
 
Por possuírem uma condição autoimune, todas precisam de medicamentos para diminuir as inflamações causadas pela baixa resistência do organismo. Assim, é comum que imunossuprimidos sofram com mais incidência de doenças como sinusite, amigdalite, inflamação de garganta, infecção urinária, porque o sistema de defesa fica alterado, devido à medicação.
 
E justamente por isso, o risco de contrair o coronavírus pode levar esse grupo de pacientes à morte. Esse é o caso da enfermeira Marcele Luciane Gimenes Couto, 32 anos, portadora de artrite reumatoide por consequência de uma chikungunya.
 
 
Mesmo assim, ela continuou trabalhando na linha de frente durante toda a pandemia. Servidora pública da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) de Campo Grande, ela relembra o medo que teve de morrer. “Achei que poderia morrer por fazer parte do grupo de risco durante a pandemia, e pelas reações da medicação que mostraram que a defesa do meu organismo não é mais a mesma”, lamentou.
 
 
Durante todos esses anos ela afirma que viveu uma montanha-russa de emoções. “Foram dias de altos e baixos, por causa das dores. E muita troca de medicação. Mas não mudei minha rotina, pois eu já tinha conhecimento sobre os cuidados que precisava ter. Sendo enfermeira ficou mais fácil de entender. Da minha família ninguém morreu, mas no dia a dia vi muitos colegas perderem familiares e muitos colegas de profissão se infectando”, relembra.
 
 
Usando todos os EPIs (equipamentos de proteção individual), Marcele ressalta que neste momento ela se sente aflita. “As festas de fim de ano reúnem muitas pessoas, e os números de infectados aumentam expressivamente. Ano passado precisei voltar para atendimento nas unidades e fazer testagem de casos suspeitos, mesmo sendo do grupo de risco, pois os profissionais de saúde ficaram infectados, e faltou equipe para atender a população”.
 
 
Quem também enfrentou muito medo durante a pandemia foi Claudemir Cândido, 23 anos. Ele descobriu que era portador de HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) cerca de dois meses antes de anunciarem o lockdown por causa da covid.
 
 
“Fui infectado em julho de 2020, apesar de todo o cuidado e prevenção contra o vírus, sentia um pouco de falta de ar nos primeiros dias, mas o medo de ter alguma complicação ou até mesmo morrer era bem pior. Juntou o HIV com a covid e um início de depressão pela situação que estávamos vivendo. Mas no final deu tudo certo”, destacou.
 
Nesse período, ele diz que a vida dele ‘virou de cabeça para baixo’. “Eu que sempre fui de sair bastante comecei a me privar de locais e casa de colegas que ia, por medo de ficar doente e piorar minha situação. Foram três anos de cuidados redobrados. Com o anúncio de que os imunossuprimidos poderiam ter mais risco do que o restante da população, precisei mudar a forma de viver, alimentação, a ingestão de mais vitaminas para manter a imunidade bem alta para não correr o risco de pegar covid e ter mais complicações por causa da doença”.
 
 
Depois de ter superado uma infecção de covid-19, ele se acha mais confiante e um pouco mais preparado pra essa terceira onda. “Já tomei quatro doses de vacina, continuo com os cuidados com a saúde e higiene que comecei lá em 2020. Pra vir trabalhar, já voltei a utilizar máscara e a carregar meu vidrinho de álcool em gel pra sempre estar higienizando as mãos e o celular. Mas, apesar de mais confiante, o medo de pegar de novo e ter alguma complicação ainda existe”, reforçou.
 
 
Respeitar as medidas de prevenção também foi ingrediente fundamental para Thais Cabreira, 36 anos, que perdeu metade de um pulmão por ter sido diagnosticada com câncer de pulmão em agosto de 2019. “No começo tive muito medo de morrer. Ninguém sabia dizer como era a doença. Não tinha uma decisão sobre, e por ter o sistema respiratório mais frágil tive sim muito pânico”, disse.
 
 
Ela destaca o papel que os médicos dela, o oncologista Patríck Vieira e o cirurgião torácico Diogo Gomes, tiveram para deixá-la mais tranquila. “Eles souberam me acalmar e me tratar da melhor forma pra que eu não tivesse crises de ansiedade. Minha família também. O mais difícil da pandemia foi ficar longe da minha avó. Fiquei 40 dias sem vê-la. Só via apenas por chamadas de vídeo”, conta.
 
 
Tomando todos os cuidados, ela e seus familiares sobreviveram à pandemia. “Mas tive amigos que perderam seus entes queridos e a dor era compartilhada. Cheguei a pegar covid uma vez, apesar de ter tomado duas doses da vacina. Não tive sintomas graves e meu medo era ir para o hospital. Minha saturação é normal, mas na época, por ser recente minha cirurgia de retirada de dois lóbulos do pulmão direito, ficou baixa e fiquei monitorando. Sofri com as consequências pós-covid. Cansaço, falta de olfato e de memória”.
 
 
Ela tem pensado sobre a nova onda da doença. “Tomei as quatro doses da vacina e tomo remédios pra ajudar na imunidade. Confesso que não uso tanto a máscara quanto deveria. Em locais com muita gente, eu coloco sim. Mas no dia a dia do meu trabalho, por exemplo, já não uso mais. A máscara nunca foi um problema pra mim. Eu já tinha que usá-la bem antes da pandemia, então hoje, não poder usá-la pra mim é uma sensação de alívio. Mas com essa "nova onda", elas devem voltar novamente ao uso cotidiano. Acredito que a pandemia nos deixou muito frágeis em relação a tudo na verdade. Quem nunca prestou atenção na saúde passou a prestar e se cuidar mais. Tenho sim medo, mas tenho mais medo pelos meus. Eu tinha e tenho ainda medo de dar falta de ar. É horrível você querer respirar e não conseguir. É uma agonia que não desejo a ninguém”, justificou.
 
 
Hoje transplantado com um rim, o estudante de engenharia civil, Nathan Galvão Miranda, 19 anos, nasceu imunossuprimido. Ele é paciente renal crônico, após má formação da válvula de uretra quando estava na barriga da mãe, Vanessa Vasconcelos Galvão Miranda, 53 anos, entre o sexto e o sétimo mês de gestação.
 
Desde então é acompanhado por um nefrologista e fazia tratamento com remédios. Mas aos 16 anos, durante um exame de rotina, descobriu que precisava fazer diálise. “Pra mim era muito assustador, saber que ele teria que depender de uma máquina, mas conseguimos fazer a diálise peritoneal em casa. Tivemos intercorrências e remodelamos o quarto. Neste tempo todo entramos na fila de transplante aqui no Estado, mas infelizmente não andou. As pessoas ainda têm essa dificuldade na questão de doação de órgãos”, disse a mãe.
 
O médico do garoto, o nefrologista Marcelo Silveira, sugeriu que a família tentasse um transplante por meio das filas do Hospital do Rim de São Paulo (SP) ou do Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR). “Fomos por São Paulo e de três em três meses tínhamos que ir para capital paulista deixar o cadastro da fila ativo. Mas em abril deu o lockdown e o médico de lá iniciou a consulta via telemedicina. Depois, quando abriu, íamos e usávamos todo o material de proteção individual”.
 
 
Nesse período em que aguardava a ligação a qualquer momento para receber o transplante, Nathan não poderia sofrer intercorrência. “A faixa etária dele é de crianças, então ele tinha que estar alerta, mas não tinha vacina. Então ele parou de ir na escola e ficava o tempo todo preso dentro do quarto dele”, enfatizou.
 
 
Foi o que aconteceu. O telefone tocou em julho de 2020 e a família teve que ir para São Paulo em no máximo 10h. “Saímos daqui de carro às 3h e ele fazendo diálise no carro. Foram quatro paradas para ele fazer o procedimento no caminho, mas infelizmente o rim não era compatível com ele. No entanto, uma semana depois ligaram e aí já tinham liberado o retorno das viagens aéreas. Pegamos o primeiro avião e fomos. Faziam teste de covid nele de duas em duas horas antes da cirurgia e ele foi agraciado com um rim. Ficamos lá em São Paulo morando quatro meses, porque ele tinha que fazer duas consultas por semana no hospital e foi então que tomamos a primeira dose da vacina”, relembra.
 
Ela lamenta que algumas unidades de saúde e usuários não respeitam o tratamento diferenciado que uma pessoa imunossuprimida deve receber. “O meu filho não tem nada visivelmente que pareça que ele é transplantado. Apesar de sempre levarmos o laudo médico, alguns servidores deixam ele na fila normal, com aglomeração de pessoas. As pessoas não entendem que é preciso um cuidado maior para os imunossuprimidos, que precisam ter os direitos preservados”, lamenta.
 
Atualmente, o médico já deixou a família mais tranquila quanto à pandemia, e a máscara já não faz mais parte da rotina dentro de casa. “Assim que concluímos o processo de transplante com sucesso voltamos para casa. Era Natal de 2020 e meu marido estava com covid-19. O Nathan ficou preso no quarto. Eu e meu outro filho também ficamos doente, menos ele. Eu levava comida de luva para ele na porta. Foi um período bastante crítico, mas conseguimos superar”, celebrou.
 
No entanto, ela revela que rompeu com integrantes da própria família. “Foi loucura total, um exército de álcool em gel e não podíamos sair. Evitávamos visitas. Nós tivemos rompimento da família. Porque acreditávamos que todos que vinham aqui estavam vacinados, mas descobrimos que uns não tinham tomado vacina por opção e frequentavam minha casa, sabendo da nossa dinâmica, que ele não podia ficar nem gripado”, lamenta.
 
Vanessa e o filho continuam indo periodicamente a São Paulo para a manutenção do tratamento do procedimento pós-transplante. Vale ressaltar que até mesmo as viagens aéreas são pagas pelo SUS, já que o tratamento é feito fora do domicílio da família. “Quando a cidade não oferece o procedimento, qualquer pessoa pode solicitar e o Estado paga passagem de ida e volta. É um direito, basta apenas ter o laudo médico de um especialista do SUS”, ressalta.
 
Mas com a terceira onda da doença rondando o Planeta, a mãe disse que a tranquilidade na família está com os dias contados. “Ele segue todas as recomendações à risca. Ele é muito certinho. Ele vai para faculdade com máscara. Quando sabe que a mãe ou colega está resfriado ele não vai. Se priva, mas sabe que faz parte do tratamento dele. Ele queria fazer tatuagem, mas o médico perguntou qual era prioridade, era a tatuagem ou a vida? Ela pode trazer complicações, infecção. Não pode beber, não pode fumar. E agora começamos a ficar mais espertos já. Vamos para uma consulta em São Paulo dia 19 de janeiro e já é recomendado máscara no avião. Lá já estão dando a quinta dose e vamos aproveitar para tomar. Vamos ver se restringimos mais e vamos voltar aos hábitos anteriores”, acrescentou.
 
Apesar das dificuldades, cada dia com o filho ao lado é uma vitória. “Ele está tão bem, com uma vida nova. O rim veio de um garoto de 16 anos que faleceu de um acidente de moto. A família dele autorizou a doação e veio um rim para o Nathan e outro adolescente que também precisava com a mesma idade do meu filho, 17 anos. Ele tem esse rim para os próximos 15 a 20 anos e precisa cuidar para que esse tempo persista. Sabemos que daí para frente a fila é maior. Aqui em casa não temos ninguém compatível e que permite o transplante por meio das regras da legislação. Então ficamos em alerta. Hoje ele tá gripado, depois de voltar da praia. Então não vamos em aglomeração, ele se restringe e a gente se protege. Sempre estado de alerta”.
 


› FONTE: Campo Grande News