Rivais veem Bolsonaro acuado e agressivo na crise do coronavírus
Publicado em 18/04/2020
Editoria: Brasil
Resposta a pandemia isola presidente, e tática de adversários é deixá-lo falando sozinho
Os adversários de Jair Bolsonaro, e hoje ele os tem em todas as esferas de poder, desistiram de uma acomodação com o presidente.
A avaliação prevalente, ouvida pela Folha nas cúpulas do Legislativo, do Judiciário e em estados, é a de um paradoxo: a fraqueza política de Bolsonaro só tende a acirrar sua agressividade no embate.
Só na semana passada, o presidente conseguiu criticar o Supremo Tribunal Federal, sugerir que Rodrigo Maia conspirava para derrubá-lo e ainda agudizar a crise do coronavírus ao demitir seu ministro da Saúde.
A tempestade perfeita do bolsonarismo encontrou resistência em todas as instâncias, que deram respostas sem histrionismo, mas com efeitos práticos claros.
Mas o tom foi dado pelo presidente da Câmara: “Ele joga pedra, e o Parlamento vai jogar flores para o governo federal”, disse Maia (DEM-RJ) acerca das críticas que sofrera.
O deputado disse que continuaria trabalhando, ironia clara em relação ao que mesmo membros do governo veem como ciclotimia do chefe.Em conversas com aliados, o consenso é que não valeria a pena entrar no jogo.
Isolado de forma crescente, o presidente recebeu duas flores com espinhos. Na quarta (15), o Supremo afirmou de forma unânime que governadores podem impor quarentenas para tentar mitigar o impacto da Covid-19 em seus sistemas de saúde.
Dois dias depois, o Senado abriu caminho para que a medida provisória da minirreforma trabalhista do governo caduque na segunda (20).
Isso pode até não vir a acontecer, mas mostra o ânimo legislativo com o Planalto: a reforma era uma peça de propaganda de Paulo Guedes, o ministro da Economia que já foi o xodó do mercado e cuja agenda ecoava no Parlamento.
Na semana passada, a Câmara já havia dado 431 votos para abrir uma linha de oxigênio aos estados de quase R$ 90 bilhões para seis meses de crise.
Um presidente de partido chama atenção ao sinal duplo: a votação expressiva, com apenas 70 votos ao lado do governo, e o fato de o Legislativo estar jogando com os estados —de resto, unidos como nunca em seus pleitos.
A Bolsonaro, já combalido pela sua crítica sistemática ao isolamento social, amplamente usado no mundo contra a propagação da Covid-19, restou tentar afirmar autoridade.
Demitiu Luiz Henrique Mandetta, do mesmo DEM de Maia, da Saúde. Só que o fez após passar semanas se desgastando na fritura do subordinado popular.
O ainda desencontrado discurso do presidente e de seu novo titular da pasta, o médico Nelson Teich, demonstra os riscos à frente.
Sem Congresso, sem Judiciário e pressionado por cenas como a dos corpos em macas no hospital de Manaus, o presidente tem pouco a se apegar.
Conta, naturalmente, com a trinca de filhos políticos, que buscam manter a chama do bolsonarismo de 2018 acesa.
Hoje esse grupo é de cerca de 30% do eleitorado, metade disso de fiéis irredutíveis. O clã acha que é possível atravessar o momento rumo a um novo embate com o PT em 2022.
Essa lógica esbarra no momento político que a pandemia trouxe. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), passou 2019 buscando diferenciar-se do presidente, cujos votos ajudaram a elegê-lo no ano anterior.
Mesmo integrantes da velha guarda tucana e líderes centristas têm elogiado o desafeto por estabelecer uma gestão calcada no oposto aplicado por Bolsonaro, com consultas à área médica à frente.
Há passos em falso, como a defesa que o tucano fez de prisões para quem furasse uma quarentena que nem existe ainda.
Mas, no geral, Doria ocupou no imaginário político um espaço que não tinha. Sua organização do grupo de governadores na crise, até pelo peso de São Paulo, o fez bem visto até no “vermelho” Nordeste.
Isso obviamente não significa alinhamento e só vale até 2022, ou antes, caso as previsões mais sombrias para o presidente se concretizem.
Tentando evitá-las, alguns grupos ainda tentam dar a Bolsonaro um roteiro de moderação possível, como os envolvidos na montagem do partido Aliança do Brasil e a ala militar do governo.
Contam também com os efeitos que o auxílio de R$ 600 mensais, devido à crise, terá na popularidade de Bolsonaro entre faixas pobres nas quais transita mal —talvez não o suficiente para compensar a classe média ora batendo panelas em horário nobre.
As ofertas de sempre de cargos ao centrão também estão no cardápio, mas o efeito é incerto. É consenso, entre aliados do presidente também, que ele só mudará o discurso se houver uma erosão pronunciada no seu nicho.
A pergunta que se faz em Brasília e outras capitais é: qual o prazo de validade dessa dinâmica, ainda mais com a crise sanitária e econômica?
A ruptura por meio de um impeachment, que vem sendo discutida seriamente há pelo menos três meses, deixou de ser vista como remédio amargo demais.
O manejo da emergência por Bolsonaro conta, para esses opositores, como um manancial de itens de crime de responsabilidade, seja na área da saúde, seja na federativa.
Se já havia uma comorbidade instalada na relação de Bolsonaro com os Poderes e a federação, o vírus só veio a agravar a condição do paciente.
› FONTE: Folha